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Mitigando as mudanças climáticas do setor agrícola

📝 Intro

O Brasil é o 6o. maior emissor de gases de efeito estufa no mundo, sendo que a agricultura é responsável, sozinha, por 27% dessas emissões. O setor é de grande importância para o PIB nacional - dados da CEPEA mostram que a agricultura representou 24% do PIB do Brasil em 2023 - e precisa que cada vez mais práticas sustentáveis acompanhem o seu processo de desenvolvimento e modernização. 


Contraditoriamente, o setor da agricultura é um dos que mais será atingido pelas mudanças climáticas. Chuvas intensas, temperaturas extremas, seca e variação na disponibilidade de água são algumas das questões que impactam a agricultura, que precisa de condições climáticas estáveis para o sucesso do cultivo e produção. Assim sendo, para que o setor continue crescendo - e, no extremo, existindo - o combate às mudanças climáticas através da ações de mitigação e adaptação precisa ser priorizado.

Que tal começar pela própria agricultura?

Antes do toró de ideias, um chuvisco de contexto: da maneira como o setor está organizado hoje, inúmeras práticas podem acabar contribuindo para o agravamento das mudanças climáticas através da liberação de gases de efeito estufa (GEE) para a atmosfera, como exemplo:


  1. Liberação de metano (CH4) através da digestão do gado - em termos de potencial de aquecimento global, o metano é um gás 25x mais nocivo que o gás carbônico (CO2).

  2. Liberação de óxido nitroso (N2O) através do uso intenso de fertilizantes - em termos de potencial de aquecimento global, o óxido nitroso é um gás 300x mais nocivo que o gás carbônico (CO2).

  3. Desmatamento para expansão da área agrícola e de pasto. Ao desmatar uma área verde, contribui-se para as mudanças climáticas através de 2 maneiras, já que a derrubada das árvores: i) transforma o carbono das plantas em CO2, e ii) diminui o potencial de absorção da natureza de CO2. 

  4. Queimadas para preparação da terra, que são uma prática comum entre os agricultores, mas que podem ocasionar em incêndios descontrolados. Além disso, as queimadas podem prejudicar a qualidade do solo e da biodiversidade. 


🧠 E por que se acredita que as ciências comportamentais podem ajudar a transformar esse cenário, mitigando os efeitos das mudanças climáticas e ajudando na preservação da atividade agrícola? 

Porque muitos dos desafios climáticos na agricultura estão enraizados no processo de tomada de decisão dos agentes que atuam no setor, desde os pequenos agricultores até grandes empresas e outros atores. As ciências comportamentais oferecem respostas a questões fundamentais: como incentivar práticas sustentáveis? Como criar um ambiente de escolha que promova o compartilhamento de conhecimentos ecológicos? Como reduzir vieses que afetam as decisões sobre mitigação das mudanças climáticas na agricultura? Abordar esses aspectos significa utilizar as ciências comportamentais para facilitar a adoção de práticas que conciliem produtividade e sustentabilidade.


💡Ideias

As ideias aqui propostas visam ser implementadas em qualquer etapa da cadeia agrícola, seja com os próprios agricultores, seja com atores indiretos e que acabam tendo/sofrendo influência sobre/dos agricultores (como agrônomos, grupos ambientalistas, grupos agrícolas, trabalhadores rurais, donos de equipamentos e materiais de manejo da terra, governo, entre outros). Os agricultores possuem uma grande oportunidade de inovar o setor e contribuir significativamente para a redução da emissão de GEE nacional.


1. Incentivos e projetos-piloto

A precificação de carbono, em tramitação no Congresso em novembro de 2024 por exemplo, representa um incentivo importante às práticas agrícolas sustentáveis. Ao atribuir um custo financeiro às emissões de gases de efeito estufa, essa política busca direcionar o setor agrícola para a conservação ambiental, já que torna o desmatamento - e demais práticas emissoras de gases de efeito estufa - menos vantajoso.

Além disso, incentivos financeiros podem ajudar os agricultores a acessar mercados internacionais, como o europeu, que está cada vez mais exigente em só comprar de produções livres de desmatamento. Medidas como créditos de carbono e títulos verdes podem fortalecer essa transição, proporcionando benefícios financeiros para os produtores que aderem a práticas sustentáveis. A implementação de projetos-piloto, que comparam o custo da expansão agrícola com os benefícios econômicos da conservação, pode ilustrar para os agricultores o valor de preservar áreas nativas e consolidar a viabilidade econômica da sustentabilidade.


2. Boosting e redução de fricção

A capacitação para decisões, conhecida como boosting, é uma estratégia possível para incentivar o uso consciente de recursos como água e solo. O boosting, ao contrário do nudging, visa capacitar o tomador de decisão para que ele sozinho consiga tomar a melhor decisão (nesse caso, a ação sustentável) em qualquer ambiente, sem precisar de qualquer “empurrãozinho” ou nudge. Dessa maneira, os agricultores podem desenvolver habilidades que os ajudem a adotar práticas duradouras e automáticas, incorporando a sustentabilidade no dia a dia de suas atividades. Duradoura e automática são palavras-chave aqui.

Para facilitar ainda mais a conservação, é fundamental reduzir as fricções e dificuldades enfrentadas pelos produtores. Não é porque os produtores são especialistas em plantação de soja, por exemplo, que têm o conhecimento sobre preservação ou restauração de áreas verdes. Facilitar estes processos de conservação, assim como os de obtenção e acesso a títulos verdes, incentivam a conservação através da redução de fricção.


3. Mensageiros e Normas Sociais

Não é qualquer pessoa que tem credibilidade entre os agricultores. Quando o assunto é plantação, membros de grupos ambientalistas ou do Governo podem não ser vistas como autoridade no assunto para muitas famílias de produtores. Nesse sentido, é preciso entender quem são os mensageiros locais confiáveis. Engajar técnicos, como agrônomos e líderes comunitários como porta-vozes confiáveis ajuda a divulgar programas de sustentabilidade, sem atrelar a conservação a uma menor produtividade.

Além disso, a promoção de normas sociais que valorizam a preservação como um comportamento importante dentro da comunidade pode ser uma estratégia eficaz. Uma pesquisa do IIS de 2023 concluiu que os agricultores costumam se basear no que seus vizinhos agricultores fazem. Dessa maneira, é possível usar grupos e comunidades já existentes e criar mecanismos onde uma nova norma social de conservação é estabelecida, reforçando o compromisso de todos.


4. Compreensão do problema: mudança de Perspectiva sobre Tradição no Plantio

Existem duas barreiras psicológicas que precisam ser desconstruídas: i) a maior valorização do plantio vs. preservação das áreas verdes; e ii) a crença de que uma floresta em pé representa atraso econômico. Promover essa mudança de perspectiva é fundamental. Campanhas que associam a preservação ao avanço econômico — como a valorização das propriedades e o acesso a mercados premium — contribuem para redefinir o “progresso” de maneira sustentável, sem depender da expansão de áreas cultivadas. Além disso, o compromisso com a produtividade pode ser redirecionado para práticas que aumentem o rendimento sem desmatamento, como tecnologias de precisão e manejo adequado do solo.


5. Vieses cognitivos em jogo: viés do otimismo e aversão à perda

Já é sabido que o ser humano tem dificuldade em enxergar a longo prazo, quase como se fosse uma miopia temporal. Damos mais relevância ao presente e temos dificuldade em identificar riscos futuros. Essa é a razão pela qual temos dificuldade em poupar para a aposentadoria, ou ir ao médico periodicamente, exemplos de como a aversão à perda e o viés do otimismo se dão no dia a dia. E as mudanças climáticas não fogem desse padrão. É fundamental abordar a dificuldade de enxergar os efeitos futuros das mudanças climáticas. Visualizações de cenários futuros e nudges que tornem esses riscos mais palpáveis podem ajudar os agricultores a entender a necessidade de adaptação.


 

Esse artigo contou com a valiosa colaboração de Isabella Pileggi, Gerente de Projetos de P&D na instituição Huna, uma startup de IA que visa combater o câncer através do diagnóstico precoce. Como grande interesse pessoal, Isabella se vê cada dia mais debruçada no estudo das mudanças climáticas e entendendo como deixar uma pegada sustentável na Terra, para a nossa e para as próximas gerações. 


 

📖 Para saber mais:


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